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Editorial: Como será o amanhã do Sistema Prisional do Ceará?


Ambiente de superlotação e falta de ventilação é agravante à já alta taxa de transmissão da Covid-19 nos presídios, o que põe em risco presos e profissionais da segurança. (Foto: EBC)


Quando falamos de sistema prisional no Brasil, geralmente nos prestamos a atualizar dados sobre mazelas históricas que se arrastam desde o período colonial: insalubridade, superlotação, precariedade de atendimento à saúde, cerceamento de direitos não alcançado pela sentença, pena passando indiretamente do preso a seus familiares, violências no ambiente do cárcere, transgressão aos direitos humanos, motins, rebeliões entre outros. No estado do Ceará, no entanto, é possível falarmos também, além de tudo o que é trivial ao sistema prisional, de fatos que ultimamente só se percebem por aqui. Por que é assim?


Desde o ano de 2018 denunciamos que a gestão da nova Secretaria da Administração Prisional (SAP) é de cunho “interventora, tática, operacional, padrão”, e possui características paramilitares. Assim se referem, em jargões ouvidos nos espaços da própria instituição, ao modelo implementado pelo atual secretário, o policial civil brasiliense Mauro Albuquerque, em cuja gestão muita coisa nova passou a ser possível.


Mas o que nos causa espécie é o comportamento das instituições de justiça e da sociedade civil que, se em princípio silenciaram frente às ações autossuficientes da administração penal, nunca permitidas em outras gestões, agora alternam o silêncio com edições de “recomendações”, que se mais se parecem como um formal alívio de consciência. Ou adotam frases de efeito, por que não dizer pilatinas, corroborando práticas administrativas “quase imperiais”, como bem concluiu o defensor público cearense Igor Barreto em seu artigo Ainda há juízes no Ceará, publicado anteriormente em nosso portal institucional.


Assim, apesar de convivermos diariamente com ‘o que é trivial ao sistema prisional’, fomos surpreendidos pela transferência de reclusas da cadeia pública do município de Sobral, interior do estado, para o Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa (IPF). A unidade localizada na região metropolitana de Fortaleza, além de estar a centenas de quilômetros do local de reclusão original das presas, o que dificulta o acesso das famílias, já consta com número considerável de contágio do novo coronavírus. Essa transferência se deu sem motivação real publicizada pela SAP, que afirmou não divulgar informações sobre transferências “por questão estratégica de segurança". Mas as detentas não merecem, também, acesso a segurança sanitária?


A defensoria pública afirmou ao portal G1, por meio de profissional com atuação no IPF, ter sido “pega de surpresa” quanto à medida. Surpresa? Questionável. Não se admite posicionamento de surpresa depois de dois anos de autossuficiência permitida, formal ou tacitamente, à atual gestão da SAP, por parte do Governo do Estado e de seu sistema de justiça.


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As 106ª e 107ª Promotorias de Justiça, que atuam como Corregedoria de Presídios e Penas Alternativas em Fortaleza, editaram recomendação à SAP para adoção e observância de medidas preventivas e combativas no âmbito das unidades prisionais, haja vista a transmissibilidade da virose pandêmica que assola o mundo. Dentre as medidas destacamos os itens 10 e 16:


Abastecimento de remédios e fornecimento obrigatório de alimentação e itens básicos de higiene pela Administração Pública e, de forma complementar ao disponibilizado pelo Estado, que seja retornada a permissão da entrada de água mineral, medicamentos, materiais de limpeza e higiene fornecidos por familiares, observando as cautelas e precauções necessárias;


Deve ser assegurado o pleno direito à informação sobre as providências adotadas em virtude de suspeita ou confirmação de diagnóstico do COVID-19 às pessoas custodiadas, bem como a seus familiares e defensores.


Tais medidas, conforme relatos de familiares e o próprio episódio das detentas de Sobral provam, estão sendo negligenciadas sem qualquer chamamento da SAP à responsabilidade. Medidas pro formes?


A justiça cearense entendeu conveniente e decidiu ainda – não se sabe por que cargas d’água – manter sob sigilo dados prisionais com relação ao novo coronavírus. A indiferença com a saúde dos presos, e com a ansiedade de informações por parte de seus familiares, nos remete a outro editorial nosso publicado anteriormente. Em A Caixa de Pandora Penitenciária chamamos atenção para o fechamento do sistema quanto ao acesso às unidades. Agora, além de fechar, lacraram, pois os dados não podem mais ser acompanhados nem por meios virtuais. Por que o velamento das informações?


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O fato é que o vírus está causando seus efeitos nas prisões, e se não temos conhecimento da real situação de contágio da população carcerária, só nos resta uma visão especulativa tendo como base casos relatados na imprensa por parte do pessoal da segurança penitenciária. Estes profissionais, aliás, também estão sendo atingidos pela alta transmissibilidade da Covid-19. Já seriam pelo menos 130 agentes e 52 presos infectados, informou o Tribunal de Justiça do estado.


O fato é que tudo passa. Como será o amanhã, e o que se pode esperar da administração prisional quando essa fase quase império passar, é o grande X da questão. Talvez não para esse governo, posto que também passará, mas para os próximos e para os que diretamente necessitam por coerção, vocação, missão, amor ou fé, interagirem diretamente com o ambiente das prisões. Responda quem souber!

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