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Folha de SP: Pandemia coloca em xeque sistema prisional pelo mundo



Covid-19 suspende execuções nos EUA, e distanciamento social pode mudar modelo penitenciário

Por Fernanda Mena, para a Folha de São Paulo.

Para ler o original clique aqui. A pandemia de Covid-19 impôs severas restrições ao funcionamento dos sistemas judiciários em boa parte do mundo. A regra de ouro do distanciamento social afastou juízes, promotores e advogados de parte de suas funções e criou um efeito inusitado em território americano: a suspensão de execuções de presos condenados à morte. No estado do Colorado, o governador democrata Jared Polis, que já planejava extinguir a pena capital, acelerou seus planos diante da epidemia de Covid-19 e decretou o fim das execuções no dia 23 de março. No Texas, duas injeções letais agendadas para o final do mês de março foram adiadas sob o argumento de que a concentração de pessoas, típica desses eventos, favoreceria a disseminação do vírus. Na execução de um condenado, além da provável presença de familiares, circulam pelo mesmo local, invariavelmente, agentes penitenciários, policiais e, na maioria das vezes, um líder espiritual para aliviar medos e culpas. "Ironicamente, o corredor da morte é o lugar menos problemático de uma penitenciária no atual contexto de pandemia", avalia o criminalista Justin Brooks, professor de Direito da California Western Law School, em San Diego, nos EUA. "Nele, cada preso fica sozinho numa cela, isolado, enquanto os demais presidiários ficam todos juntos e simplesmente não conseguem manter distância suficiente uns dos outros."


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Damares alega não ser urgente tratar de covid-19 nas prisões e cancela reunião; comitês de combate à tortura denunciam - Nota dos Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura em repúdio à obstrução da Política Nacional de Prevenção e Combate à Tortura no Brasil (Viomundo) Brooks é o fundador na Califórnia do Innocence Project, organização espalhada pelas 50 unidades federativas dos EUA e presente em outros 30 países, inclusive no Brasil, que se dedica a provar a inocência de pessoas presas injustamente. Desde o início da pandemia de coronavírus, Brooks teve cinco de seus clientes do Innocence Project soltos. Segundo ele, os pedidos de soltura haviam sido feitos tempos antes com base em "evidências consistentes de que se tratava de pessoas que não eram culpadas dos crimes pelos quais haviam sido condenadas". "Os governadores estavam ignorando essas petições, mas, diante das pressões para diminuir a população prisional por conta do novo vírus, eles rapidamente concederam clemência para esses casos", conta. Vários países do têm feito esforços para reduzir suas populações prisionais diante da ameaça de uma disseminação devastadora da Covid-19 nos presídios do mundo. Nos EUA, país que tem a maior população prisional do planeta, com 2,3 milhões de pessoas vivendo atrás das grades, o estrago do coronavírus tende a ser proporcional. "A maior parte dos presos fica em dormitórios gigantes, com beliches separados por menos de 1 metro. As instalações médicas são precárias ou inexistem. E, além disso, boa parte dos presídios fica a centenas de quilômetros de hospitais de grande porte", descreve Brooks. "Trata-se do pior lugar onde alguém pode estar durante essa pandemia porque será mais fácil pegar o coronavírus e mais difícil obter atendimento médico." Brooks lembra o furacão Katrina, que devastou a região de New Orleans em 2005, para ilustrar como os presos são as últimas pessoas com as quais a sociedade se preocupa quando algo ruim acontece. "Os funcionários dos presídios correram para salvar suas vidas e deixaram os presos trancados em suas celas, onde morreram afogados." Numa epidemia em que manter as mãos limpas é requisito básico de sobrevivência, o contexto norte-americano traz ainda outro agravante: o uso de álcool em gel é banido nos presídios federais e nas penitenciárias de mais de uma dúzia de unidades federativas. A medida deriva do fato de que presos podem usar o produto para se intoxicar ou para atear fogo nas instalações. No estado do Nebraska, desde o final de março, parte dos presos passou a trabalhar convertendo etanol em álcool em gel por conta da pandemia de coronavírus. Os presos, no entanto, são proibidos de se beneficiar do produto que ajudaram a colocar à disposição da população do lado de fora. Uma carta aberta assinada por mais de 550 personalidades, entre elas o Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel e a ativista negra feminista Angela Davis, denunciou na semana passada o encarceramento em massa dos Estados Unidos como um mecanismo promotor da Covid-19 e, portanto, como uma ameaça à saúde global. O documento, também subscrito por 60 organizações internacionais, pede a liberdade dos presos em idade avançada e daqueles condenados por crimes não-violentos. O texto solicita a provisão de equipamentos de proteção individual para presos e agentes penitenciários e a oferta de equipes médicas capazes de confrontar a pandemia, além de demandar o fim do modelo de encarceramento em massa e de sua exportação para outros países do mundo. Esforços de governadores norte-americanos para diminuir a densidade de seus sistemas prisionais têm focado em condenados por crimes não-violentos que estejam a 60, 90 ou 180 dias de cumprir suas penas. Trata-se de um universo extremamente restrito, e o resultado é uma redução ínfima do número de encarcerados. Com esse tipo de medida, o estado da Pensilvânia deve diminuir entre 3 e 4% da população prisional. Nova York deve chegar a 3%, enquanto a Georgia não deve atingir 1% de seus presos. Brooks conta que, desde o início da pandemia, muitos estados não têm mais prendido quem comete contravenções (crimes considerados mais leves) nem usado o instituto da prisão provisória, em que o indivíduo é mantido preso enquanto aguarda o julgamento. Para ele, um dos impactos da pandemia no Judiciário será o de tornar remotas partes das atividades das cortes, de promotores e de advogados. Brooks avalia também que, passado o pior da crise sanitária, vão chover ações contra o Estado sobre a questão das cadeias e do distanciamento social. "Isso vai forçar mudanças no modo como acomodamos os presos hoje em dia e como se dá seu acesso a saúde e assistência médica, o que certamente vai tornar o sistema prisional ainda mais caro." Diante da recessão econômica que se desenha como uma das poucas certezas do futuro pós-pandemia, Brooks tira duas conclusões: a criminalidade tende a aumentar e, paradoxalmente, as políticas criminais e penitenciárias tendem a ser reformadas, mas não endurecidas. "É triste admitir, mas as mudanças nessas políticas não ocorrem por questões de justiça social, mas por questões econômicas", explica. "Na crise financeira em 2009, passamos a questionar por que gastávamos tanto dinheiro construindo presídios e mantendo as pessoas presas enquanto estávamos cortando dinheiro das universidades, por exemplo. E esse foi um dos incentivos para o início da redução da população prisional nos EUA."

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