Coluna de opinião publicada no Jornal O POVO (13.05.2019)
A Defensoria Pública do Estado do Ceará quer que o governador Camilo Santana (PT) vete o projeto de lei 37/2019, que prevê a cobrança de presos pelo uso de tornozeleiras eletrônicas no Ceará. Em parecer enviado ao governador na última quinta-feira, o Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e às Vítimas de Violência afirma que a lei, aprovada semana passada na Assembleia, não só é contrária ao interesse público como inconstitucional em diversos pontos.
Na argumentação técnica, os defensores públicos Jorge Bheron Rocha e Gina Kerly Pontes Moura afirmam que a lei, por tratar de matéria de direito processual e execução penal, seria de competência exclusiva da União. Uma lei do tipo, portanto, só poderia ser feita no Congresso. "A imposição de prévio pagamento para a cessão do equipamento restringe de forma ilegal a liberdade, sem qualquer respaldo constitucional, uma vez que a restrição da liberdade deve sempre estar precedida de e estar contida claramente em ordem judicial".
"Há inconstitucionalidade, portanto, na exigência de prévio pagamento para que o investigado possa gozar de sua liberdade (...) a única previsão constitucional nesse sentido é da fiança", diz. Além disso, a medida faria interferência indevida no Judiciário e promoveria tratamento não isonômico dos presos. "O investigado/réu/acusado pobre teria, para ganhar a liberdade, que antes comprovar esse requisito, o que levará a uma demora na concessão de sua liberdade".
Além dos argumentos técnicos, os representantes da Defensoria questionam se a medida trará real benefício ao interesse público. Para tal, apontam que a cobrança e suas eventuais sanções podem aumentar a incidência do hiperencarceramento no Estado, o que só fortaleceria o controle das facções criminosas dentro das unidades prisionais.
Na ponta do lápis
Não é a primeira vez que a Defensoria Pública do Ceará questiona projeto da cobrança por tornozeleiras do Estado. Em entrevista publicada no O POVO no início de maio, a defensora pública Patrícia Sá Leitão, supervisora das Defensorias Criminais do Ceará, colocou em dúvida a suposta economia pela medida apontada pelo governo. "O custo para o Estado, ainda que ele arque com a despesa da tornozeleira, é menor do que o de manter o preso dentro do sistema penitenciário", diz.
Para pesar
A Defensoria se manifestou como Amicus Democratiae, em parecer que pode ser acatado ou não pelo governador Camilo Santana, que é quem dará a palavra final sobre o assunto. Em todo o caso, é salutar que os defensores - quem conhece bem e lida de fato com a execução penal no Estado - sejam ouvidos e seus pontos levados em consideração na hora da sanção. De um jeito ou de outro, o parecer já pode embasar eventual questionamento da constitucionalidade da medida na Justiça.
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