Por Emanoela Campelo de Melo,
em 13 de Outubro de 2022.
Advogados destacam que a permanência em presídio de segurança máxima não pode ser a critério da administração penitenciária, e sim do Judiciário
A Justiça do Ceará determinou que a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) crie uma regulamentação específica de inclusão e permanência de internos na Unidade Prisional de Segurança Máxima, no Ceará. Inaugurada há um ano e dois meses, a unidade prisional funciona sem ato normativo específico "para disciplinar o cotidiano dos presos e os critérios para a sua inclusão", de acordo com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
O Instituto Anjos da Liberdade pediu providências em abril deste ano e apontou irregularidades no equipamento. Sob a análise e decisão da Corregedoria de Presídios da Comarca de Fortaleza, a Justiça determinou no último dia 5 deste mês que a SAP estabeleça mudanças, que vão desde a decisão de qual preso fica na unidade de segurança máxima até a forma de como acontece o banho de sol.
As advogadas Almerivânia Ferreira e Alexandrina França, que protocolaram a petição, consideram que a decisão será um "divisor de águas". Para elas, o regime adotado atualmente é "extremamente cruel e desumano”. “Não reflete os objetivos de ressocialização constantes na Lei de Execução Penal (LEP). O meio utilizado para punir o preso ultrapassa os limites da pena privativa de liberdade".
"Uma das ilegalidades que podemos constatar em atendimento jurídico e que nos foi repassado foi isolamento contínuo, banho de sol na extensão da própria cela, proibição de conversar com outro preso. Protocolamos a petição no dia 19 de abril de 2022, na oportunidade em que o Instituto Anjos da Liberdade atuou em um ato de manifestação em frente ao Fórum Clóvis Beviláqua, em protesto as arbitrariedades que estariam acontecendo no sistema prisional cearense"
ALMERIVÂNIA FERREIRA E ALEXANDRINA FRANÇA
Advogadas do Instituto Anjos da Liberdade
Detalhes da decisão
Consta no documento, assinado pelo corregedor-geral de Presídios de Fortaleza e Região Metropolitana, juiz Raynes Viana, e pela juíza Luciana Teixeira, corregedora-auxiliar, responsável diretamente pela fiscalização daquela Unidade. a necessidade de regulamento do prazo máximo de permanência de medida imposta pela unidade.
"Também fica vedada a previsão de confinamento solitário prolongado ou indefinido (proibição absoluta de comunicação entre os internos) e de banho de sol em áreas contíguas às próprias celas, devendo se dar no pátio destinado a tal finalidade", comunicou o TJ.
A decisão indica que a SAP realize imediatamente a transferência dos internos em cumprimento de pena em regime semiaberto para unidades prisionais adequadas ou efetue a instauração dos respectivos procedimentos para sua submissão ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).
"A pasta deve comunicar sobre a disponibilização do banho de sol a todos os internos de forma não individual e no espaço adequado, bem como sobre a cessação da obrigatoriedade de incomunicabilidade absoluta entre os internos, podendo, todavia, estabelecer limitações nos moldes definidos segundo a referida regulamentação"
TJCE
Em entrevista ao Diário do Nordeste, Raynes Viana explicou que "para não gerar qualquer abalo à ordem ou prejuízo à rotina do sistema prisional, foram estabelecidos prazos para o atendimento das determinações, os quais ainda estão em curso".
Alerta
O presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal Regional Ceará (Anacrim-CE), advogado Alexandre Sales, explica que a partir da decisão, a administração penitenciária precisa pedir ao juiz que determinado preso seja conduzido à unidade de segurança máxima: "até mesmo a retirada, a saída, precisa ser regulada pelo juiz".
"Se a unidade prisional é encarada para que o preso pague por ação disciplinar, essa ação precisa ser subordinada ao Judiciário. Não só porque acham que ele é perigoso, mas essa permanência deve ser autorizada e o juiz decidir quanto tempo essa pessoa pode ficar lá"
ALEXANDRE SALES
Presidente da Anacrim-CE.
O Conselho Penitenciário do Estado do Ceará (Copen) ressalta que a forma de lidar com os presos "tidos como mais perigosos" vinha "extrapolando as normas e os limites fixados pela Lei de Execução Penal".
Ruth Leite, presidente do Copen, afirma que o Conselho vinha "batendo na tecla" sobre a necessidade da fundamentação: "existe a falta de autorização legal para o regime diferenciado, o que gera a não-convivência com os outros, o não ter contato com a família".
Para o juiz corregedor, a decisão de fixar normas claras irá facilitar a vinculação dos presos que lá se encontrarem a um sistema legal de direitos e deveres. "Ainda, algumas proibições -como a permanência dos internos em isolamento quase absoluto - repercutem em aspectos de dignidade e saúde física e mental", acrescentou.
A SAP ainda deve instaurar imediatamente os processos para apreciação judicial sobre a situação dos presos já reclusos na unidade, de acordo com a decisão judicial. A Pasta foi procurada para comentar as mudanças, mas não se posicionou até a edição desta matéria.
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