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Por Frei Betto: Desmilitarizar o Brasil


Foto: SSPDS-CE

Por Frei Betto*

Em CESESP (Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular)

Publicado em 08 de abril de 2021.


O governo BolsoNero é um cabide de empregos para militares, com destaque para vários ministros, o vice-presidente e o próprio presidente, embora este tenha saído corrido das fileiras do Exército há mais de trinta anos. Os números variam, mas sempre apontam mais de 6 mil militares nomeados pelo Executivo Federal, além de ocuparem 30% dos cargos em empresas públicas, como o novo presidente da Petrobras. Seria esse um governo militar ou um governo dos militares?


A militarização, entretanto, não tem relação apenas com o número de fardados no governo. Trata-se de um processo em que valores, modos de vida, princípios e normas que orientam o mundo militar são transferidos para a administração pública, militarizando o Estado. Tão problemático quanto quem faz, é o como faz e por que faz.

O que significa militarizar a sociedade? A guerra como opção social e política não é algo inerente ao ser humano. A militarização da sociedade é o que permite a naturalização do militar, da guerra e das armas como alternativas à resolução de conflitos, seja no âmbito doméstico, seja na geopolítica internacional. Ora, sem a militarização as divergências não desapareceriam, mas a opção pela violência armada como forma de resolvê-las seria considerada repugnante e injusta.


A ditadura implantada em 1964 aprofundou a militarização da sociedade brasileira. Setores de Igrejas apoiaram e tiveram importante papel nesse processo, evocando o “Deus dos exércitos, Senhor da guerra”…


Baseados nessa leitura, valores militarizados se expandiram na sociedade, como a ideia de que vivemos dentro de marcos hierárquicos, e devemos conformar-nos com o lugar que ocupamos na hierarquia social: pobre (resignado), classe média (remediado), rico (desculpabilizado). É a legitimação da desigualdade social, ainda que flagrantemente injusta.


Outro “valor” é obedecer aos superiores (civis, religiosos etc.), sem divergir quanto às normas e regras adotadas. É a ideia de que as coisas sempre foram assim, e assim devem continuar. Em um mundo hostil é necessário competir para ganhar, ser combativo. O triunfo é estimulado em detrimento da relação solidária entre pessoas.


A militarização reforça a noção de que é preciso estar sempre vigilante diante de potenciais riscos e perigos que ameaçam a nossa sobrevivência. Para driblar o medo, é preciso ser agressivo, forte, viril, dominante, mesmo se isso significar ser machista e cruel.


Muitas vezes o adestramento militar atinge um grau de violência que induz à desumanização do outro. Alunos se tornam dispostos a matar seres humanos a partir da ordem de um superior, sem duvidar, discutir ou divergir. O sentimento de empatia com dores e desejos do outro é substituído pela relação amigo x inimigo. O discurso de ódio substitui o da alteridade. O inferno e o inimigo são os outros, daí ser preciso eliminá-los. Assim, a militarização de corações e mentes torna o outro invisível e desprezível, o que justifica a violência. É o perfeito antagonismo à noção de amar ao próximo como a si mesmo.


Desmilitarizar os espíritos e a sociedade requer priorizar a segurança humana com relação à alimentação, saúde, educação, acesso ao trabalho, respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente. É reivindicar horizontalidade diante de relações hierárquicas, particularmente as que vitimam os mais pobres. E incutir solidariedade e respeito pelo diferente, diante do racismo e da xenofobia; senso de igualdade entre homens e mulheres, diante do sexismo das estruturas militares; e internacionalismo e cooperação enquanto valores nacionais.


Há que se retomar a bandeira da justiça e da paz, e da união entre povos próximos e distantes. E ousar olhar nos olhos do outro para perceber, no reflexo, que somos todos humanos, irmãos e irmãs.


*é escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das Letras), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.or

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