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Ricardo Moura (opinião): 'Carta a Elmano Freitas'


Foto: Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará (25/05/19)

Por Ricardo Moura*

Publicado em 10 de outubro de 2022.


Prezado governador eleito, parabéns por sua vitória ainda no primeiro turno das eleições. Há um recado do povo cearense expresso nesse resultado que o senhor certamente levará em conta. Dito isso, seguem alguns pontos que acredito serem do seu interesse na área da segurança pública, a partir do olhar de quem há quase 20 anos encontra-se imerso no tema.


O governante sábio é um bom ouvinte. Aproveite sua experiência com os movimentos sociais para agendar um encontro presencial com as mães de filhos internados em centros educacionais, familiares de presos/egressos do sistema prisional e com o Fórum Popular de Segurança Pública (FPSP).


São pessoas que, além de militantes, vivem na pele as limitações das políticas tradicionais de segurança pública, cujo foco reside principalmente na repressão, não contemplando o cotidiano de violência e precariedade em que elas vivem.

Avançamos no que diz respeito ao combate aos grupos criminosos armados no Ceará: diversas operações foram realizadas nos últimos anos, lideranças foram presas e rotas de abastecimento financeiro estranguladas. No entanto, milhares de cearenses vivem em áreas de conflito, em que a regulação social ocorre por meio da disputa entre tais organizações. Precisamos resgatar o sentimento de empatia com os que sofrem nas mãos das facções a partir de um esforço coordenado que envolva poder público e sociedade.


Estar presente, se mostrar solidário, é uma abertura que se espera há muito de quem governa o Estado. Esse é o movimento inicial em torno de uma política de prevenção que possa vir a ser mais eficaz do que tudo que já foi feito até o momento tanto para retirar adolescentes e jovens do mundo do crime quanto para evitar que eles sigam esse caminho quase sem volta. Os homicídios juvenis precisam deixar de ser uma questão apenas sociológica e se tornar, finalmente, uma questão social.


O mesmo cuidado deve ser estendido para quem trabalha e para quem cumpre pena no sistema penitenciário. A política do "procedimento" não pode se sobrepor ao que determina as normas que orientam o encarceramento no Brasil. O respeito à dignidade humana tem de começar pelas pessoas mais estigmatizadas socialmente. Não há melhor sinalização sobre isso se o governador em pessoa estiver engajado em superar o fosso existente entre quem vive no andar de cima e os que sobrevivem no andar debaixo.


A proposta de uma "institucionalização da segurança cidadã" e de uma "segurança civil", expressa em seu plano de governo, ou seja, uma abordagem que tenha a multiplicidade das causas da violência como foco e articule políticas públicas transversais, passa por essa escuta qualificada mais do que pelo desenho de programas ambiciosos de segurança.


Nossa crônica e histórica desigualdade social é fonte e mantenedora de uma violência difusa. Com alguns ajustes no modelo de segurança, nas áreas mais ricas da capital cearense, Fortaleza nunca mais se apavorou. Nas periferias, nas zonas rurais do Interior e nos assentamentos precários, contudo, o pavor é uma constante. A diferença é que o Estado não está lá para ouvir. Que essa realidade possa mudar a partir do próximo mandato que se inicia.


No que diz respeito à gestão interna, é preciso que a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública assuma o protagonismo que lhe cabe, com os recursos necessários para seu funcionamento, tendo em vista o desafio de punir os maus policiais. Sua experiência na relatoria da CPI das Associações Militares demonstrou coragem em mexer com assuntos delicados.


O crime não se organiza e muito menos se estrutura sem apoio dos agentes estatais. Debelar esses focos de corrupção é uma missão espinhosa e repleta de perigos. Embora seja uma medida necessária, cortar na própria carne costuma ser uma medida sempre deixada de lado pelo governante de plantão.


Em outra frente, o deputado autor da proposta que prevê a incorporação de câmeras nos uniformes dos policiais militares cearenses possui todas as condições necessárias para fazer com que isso torne uma realidade. A medida produziu bons resultados em São Paulo, mas contraria as alas mais corporativas da PM. Até por isso mesmo, vem sendo atacada de forma populista pelo candidato bolsonarista ao governo daquele Estado.


Por fim, a violência política e motivada pelo ódio é uma dolorosa realidade com a qual ainda haveremos de lidar nos próximos anos. O resultado das eleições de 30 de outubro dificilmente será aceito sem resistências e insubordinações. Aliado a isso, temos segmentos da população cada vez mais armados, ampliando sobremaneira os riscos de danos contra inocentes e os próprios agentes de segurança.


O ataque ocorrido à escola em Sobral, que resultou na morte de um estudante, não pode ser encarado como um episódio isolado, mas como a ponta de um iceberg cujos contornos ainda estamos começando a perceber.


Os desafios são muitos, mas quem assume o Palácio da Abolição conta com todo o capital político possível para fazer o que se deve. Do lado de cá, faremos o exercício da análise, da crítica e do apoio às ações do futuro governo que se anuncia. O mesmo horizonte nos guia: construirmos um Ceará mais seguro e próspero, em que o conceito de "viver bem" se estenda para toda a população.


*jornalista (DRT 1681 jpce) e cientista social com doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

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