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Nota de repúdio à adesão do Governo do Ceará ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares


NOTA DE REPÚDIO:

NA CONTRAMÃO DO NORDESTE, A ADESÃO DO GOVERNO DO ESTADO

DO CEARÁ AO PROGRAMA NACIONAL DAS ESCOLAS CÍVICO-

MILITARES


O Ceará é o único estado do Nordeste a aderir ao programa de escolas militares

do Governo Federal, que tem como objetivo implantar 216 escolas em todo o país, em

uma ação conjunta do Ministério da Educação com o Ministério da Justiça. Destacamos

que esse é o mesmo Governo Estadual que, em 2016, criminalizou mais de 300

estudantes secundaristas, que responderam a um inquérito policial por exercerem o

direito à participação na luta por uma melhoria das escolas públicas estaduais.


A sociedade tem conhecimento que o programa das escolas cívico-militares é

instituído pelo Decreto no 10.004, no dia 5 de setembro de 2019, com a justificativa de

que as escolas militares têm uma suposta maior qualidade de ensino com base nas

experiências de colégios militares estaduais. No entanto, sabe-se que foram construídos

ao longo dos últimos anos importantes instrumentos, como os Planos de Educação, o

Custo Aluno Qualidade (CAQ) e o FUNDEB, para a garantia da qualidade na educação.

Entretanto, o Governo Federal não dá respostas para a efetivação desses mecanismos.

Em verdade, o Governo Federal vem realizando ataques aos direitos sociais, vide os

cortes no orçamento público para a área da educação no ano de 2019, e o esvaziamento

dos espaços democráticos (Ex.: Conselhos de Direitos). O que revela que o projeto do

Governo Bolsonaro para a educação não tem como objetivo assegurar o direito à

qualidade na educação pública.



A proposta do programa das escolas cívico-militares, porém, é de

constitucionalidade duvidosa, e com conteúdo educacional que não necessariamente

dialoga com uma educação de qualidade e democrática. Com base nas escolas que

inspiraram o programa, principalmente em Goiás, são estabelecidos diversas proibições

e regras, tais como: proibição de uso de gírias, de namoro, obrigação de continência,

corte de cabelo padronizado, cobrança de taxas, etc.


Claramente há ofensa aos princípios da educação pública, em especial a escola

deve cumprir o Princípio da Gestão Democrática, resultando em um ambiente que

preza a participação nas definições do Projeto Político Pedagógico, tal participação

alcança trabalhadores, gestores, estudantes e familiares. Portanto, as definições do que é

admitida ou não na prática escolar deve ser definido de forma plural, e pela própria

comunidade escolar.


Além disso, os princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e

divulgar o pensamento, a arte e o saber e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino podem sofrer sério risco, já que o ambiente voltado ao controle demonstra não ser o mais propício para o desenvolvimento de uma prática educacional com pluralismo de ideias. A

cobrança de taxas também fere o princípio da gratuidade do ensino.


Outra questão relevante, diz respeito ao conflito entre a Polícia e a população

que reside nas periferias do Ceará, realidade que se expressa em muitos outros estados.

Os estudos, como o do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na

Adolescência, evidenciam que essa questão, que vitimiza principalmente adolescentes

negros e pobres, se expressa através de ações de intimidação, de violência e de

estigmatização dos adolescentes nos ambientes em que os mesmos frequentam. De

acordo com os dados, cerca de 73% dos adolescentes vítimas de homicídio sofreram

violência policial no Ceará. Além disso, mais de 70% dos adolescentes assassinados em

2015, estavam fora da Escola há pelo menos seis meses. Dialogando com essa questão,

sabe-se também que o Governo Federal defende abertamente a posse e o porte de armas

de fogo. Nesse sentido, como o Governo poderia contribuir para lidar com esse

problema na Educação Pública?


Não está dentre as atribuições da polícia e dos bombeiros militares

administrarem as escolas públicas. Existe aqui um nítido desvio de função nas

atividades desenvolvidas. Tal desvio pode configurar, inclusive, crime de improbidade

administrativa do gestor que autorizar tal medida, conforme Lei no 8429/1992.


Segundo o art. 144 da Constituição Federal cabe às polícias militares o

policiamento ostensivo, não havendo guarida constitucional para os órgãos de segurança

pública atuarem na gestão educacional. O desvio de finalidade é flagrante, como, por

exemplo, na proposta de vincular militares da reserva (sem qualquer acúmulo na área

educacional).


Compreendemos que o que está em jogo é a garantia das liberdades individuais,

de ensino, de expressão, de manifestação, de comunicação e de pensamento, previstas

no Art. 5 e no Art. 206 da Constituição Federal de 1988. Com base nesses fundamentos,

a educação pública deve assegurar o pensamento crítico e a formação humana como

condição para o exercício da cidadania.


É urgente e necessário que a sociedade se posicione para a garantia de uma

educação pública de qualidade e democrática. A história do Brasil nos mostrou que

vivenciamos no período não muito distante, durante a Ditadura Militar (1964-1985), um

momento em que a educação e o ensino estiveram sob o controle e imposição dos

militares. Relembramos também que este período foi marcado pela repressão,

autoritarismo, violência, tortura e mortes, inclusive contra o movimento estudantil e

profissionais da educação. Apoiar o Programa das escolas Cívico-Militares do Governo

Federal, portanto, no contexto atual do Brasil significa aderir ao modelo de escola

antidemocrática.


Atenciosamente,


Comitê Ceará da Campanha Nacional pelo Direito à Educação / Comissão de

Educação do Fórum DCA


Organizações, movimentos e coletivos que assinam esta Carta:

- Centro de Apoio a Mães de Portadores de Eficiência (CAMPE)

- Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA Ceará)

- Espaço Geração Cidadã (EGC)

- Fórum de Educação Infantil do Ceará (FEIC)

- Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Ceará (FEJA)

- Monitoramento Jovem de Políticas Públicas (MJPOP Brasil)

- Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa (CDVHS)

- Instituto Terre des hommes

- Associação O Pequeno Nazareno (OPN)

- Campanha Nacional de Enfrentamento à situação de moradia nas ruas de crianças e

adolescentes (CNER)

- Associação Barraca da Amizade

- Associação Santo Dias

- Instituto TERRAMAR

- Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Ceará (SINDUECE)

- Visão Mundial

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