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Ricardo Moura, no O POVO: Do Ceará Pacífico à guerra assimétrica

Por Ricardo Moura*


O secretário da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), André Costa, participou em abril de um seminário internacional, no Rio de Janeiro, onde apresentou uma palestra cujo título era "Da Defesa Social à Resposta Beligerante: uso de tecnologia e estratégia no combate aos atentados no Ceará". Embora a expressão "defesa social" componha a própria denominação da secretaria, o termo beligerante chama atenção pelo fato de seu significado estar diretamente relacionado ao ato de guerrear.


"É consenso entre especialistas internacionais que os problemas enfrentados pela polícia, ainda que passem pelo crivo das novas tecnologias, não podem ser resolvidos unicamente pelos meios tradicionais, como efetivo, equipamento e armas." (Foto: Davi Pinheiro | SSPDS)

O que se pode apreender da palestra é que o Governo do Estado decidiu adotar uma estratégia de guerra no modo como conduz a segurança pública. Fato esse ressaltado pelo próprio secretário em entrevista ao site da SSPDS: "Temos utilizado alguns conceitos de guerra assimétrica aplicados à segurança pública. Avançamos de um Estado mais de defesa ou de proteção social para ações mais beligerantes. Ou seja, saímos de uma situação defensiva para uma situação ofensiva contra as ações criminosas orquestradas".



11 de setembro


A expressão "guerra assimétrica" ganhou destaque após o 11 de Setembro quando os Estados Unidos se viram diante de um adversário não-tradicional: os terroristas da Al Qaeda. Como lidar com um inimigo que não possui território, ataca alvos aleatórios e desobedece às normas internacionais de guerra? Foi preciso estabelecer uma doutrina militar que desse conta dessa nova realidade em que os estados nacionais não detêm mais o monopólio de fazer a guerra. Por extensão, o conceito de "assimetria" vem sendo aplicado no combate ao crime organizado, como os cartéis mexicanos e as gangues latino-americanas que atuam sob uma lógica de guerrilha e de forma transnacional.


Antes mesmo de assumir a Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), Aloísio Lira já fazia um paralelo, no O POVO, das ações do Governo do Estado contra as facções empregando os mesmos termos e defendendo a beligerância estatal: "Eles querem visibilidade. Não estão demonstrando força, pois eles não têm força para entrar em uma guerra direta contra o Estado. A guerra deles é assimétrica", disse em janeiro.

Na literatura sobre o tema, já existe um conceito que busca adaptar as condições de um conflito assimétrico à segurança pública: o policiamento assimétrico, cunhado pelo professor Stephen Mallory, da Universidade de Mississippi (EUA). Segundo o estudioso, o policiamento assimétrico abrange uma série de modelos e práticas como o policiamento guiado pela inteligência (intelligence led-policing), policiamento comunitário, Compstat (estatística criminal), teoria das janelas quebradas e o policiamento orientado por problemas (POP).


O uso conjunto de tais medidas é apontado como um dos fatores do sucesso obtido por países em desenvolvimento no combate à violência e à criminalidade. É louvável que essa discussão esteja sendo travada pelo Governo do Ceará. No entanto, é consenso entre especialistas internacionais que os problemas enfrentados pela polícia, ainda que passem pelo crivo das novas tecnologias, não podem ser resolvidos unicamente pelos meios tradicionais, como efetivo, equipamento e armas.


Um bom exemplo disso é o policiamento orientado por problemas. Criado há 40 anos por Herman Goldstein, da Universidade de Wisconsin (EUA), esse método se baseia na análise das questões relacionadas à segurança pública e na elaboração da melhor estratégica para resolvê-las. A estratégia que vale para o roubo de veículos não é a mesma para a redução dos homicídios, por exemplo. Cada "problema" que o público espera que a política lide deve ser sujeito a um estudo cuidadoso e profundo na esperança de que o que seja aprendido em cada problema leve a descobrir uma estratégia nova e mais eficaz para lidar com isso. Segundo o autor, a intenção é que sejam desenvolvidas, dentro dessa estratégia, "novas respostas de natureza preventiva, que não dependam do uso do sistema de justiça criminal, e que se baseiem nas contribuições potenciais de outros órgãos públicos, da comunidade e do setor privado".


Como se vê, o compartilhamento de informações, a transparência e a parceria com a sociedade civil são elementos comuns aos modelos de policiamento bem-sucedidos. Vivemos hoje uma efervescência de coletivos e movimentos que buscam ampliar a participação popular nos rumos dados à política de segurança. Tais grupos não podem ser vistos como adversários, mas sim como aliados.


Uma concepção "beligerante" de segurança pública que se estenda além de situações-limites como a vivida no início do ano só fortalece uma concepção militarista da ação política, fazendo com que, no limite, as práticas do Governo do Estado e do Governo Federal tornem-se indistinguíveis.


*Sociólogo e jornalista, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência, da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC), e do Laboratório de Conflitualidades e Violência, da Universidade Estadual do Ceará (Covio/UECE). Desde 2014 é colunista de Segurança Pública do Jornal O POVO.


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