As primeiras medidas de Elmano de Freitas foram uma ducha de água fria para muitos apoiadores e para quem acreditou que o paradigma tradicional da segurança pública pudesse ser alterado. O que se viu foi muito pragmatismo na escolha dos secretário da Segurança Pública e da Administração Penitenciária.
Por Ricardo Moura*
É uma prática corrente que os governantes adotem as medidas mais radicais ou duras logo no início de seus mandatos, aproveitando a euforia da vitória e a boa vontade do eleitorado com quem chega ao poder. Elmano de Freitas, governador do Ceará, perdeu a oportunidade de deixar sua marca na escolha dos dois principais nomes da área da segurança pública ao dar continuidade ao que Camilo Santana fizera no cargo.
O delegado federal Samuel Elânio, que ocupava a secretaria-executiva da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), assumiu a vaga deixada em aberto pelo delegado federal Sandro Caron, que assumiu a Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul. Conhecedor dos meandros da máquina, Samuel Elânio certamente não é uma má escolha, mas também passa longe da ousadia.
Em Pernambuco, estado vizinho ao nosso, a governadora Raquel Lyra (PSDB) nomeou a primeira mulher a conduzir a Secretaria da Defesa Social, nome dado à secretaria da segurança pública de lá. A delegada federal Carla Patrícia Cunha, com mais de 20 anos de atuação profissional, já foi superintendente da Polícia Federal, atuou na Corregedoria e atualmente é doutoranda do curso de Engenharia de Produção.
Dias antes do anúncio oficial, chegou-se a especular que o Ceará poderia ter uma mulher à frente da SSPDS. Nomes excelentes na Polícia Civil do Estado não faltam. Mudar a lógica das políticas públicas de segurança, sinalizar que a nova gestão seria diferente, rever a mesma prática governamental de indicar delegados federais ao cargo. Todas essas perspectivas foram deixadas de lado em nome da manutenção do que já vinha sendo feito.
Ainda que não fosse uma delegada, por que não nomear para o cargo um delegado da Polícia Civil, com conhecimento aprofundado sobre a dinâmica dos homicídios e do crime organizado, ou seja, um profissional de ponta, que conhece a rotina da atividade policial em seus pormenores? Fica a sugestão para uma próxima.
Se o governador pode usar o argumento inexato de que “em time que está ganhando não se mexe” para justificar a escolha do novo secretário da Segurança Pública, a mesma alegação merece ressalvas em se tratando da recondução de Mauro Albuquerque à Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). A vinda do secretário, no começo de 2019, atendia a uma situação de descalabro no sistema penal. Sua chegada foi recebida com protestos e ataques de organizações criminosas.
O choque de gestão da nova secretaria permitiu que os presídios pudessem ser geridos com maior controle por parte do Estado. A comunicação foi restringida e os detentos passaram a cumprir rotinas disciplinares que limitavam sua autonomia no interior das unidades penais. No entanto, juntamente com a doutrina do procedimento vieram as primeiras denúncias de torturas e maus tratos.
Os casos, à época, nem chegaram a arranhar a popularidade de Mauro Albuquerque, um nome que, como já disse anteriormente nesta coluna, poderia ser reconduzido ao cargo por qualquer um dos principais candidatos ao Governo do Estado. Em setembro, em plena campanha eleitoral, policiais penais e um diretor de presídio foram denunciados por torturas contra os encarcerados. Contudo, as denúncias permaneceram e nada de muito drástico foi feito por parte de quem ocupava o Palácio da Abolição.
Como saber a extensão de tais práticas? São casos isolados ou atos sistemáticos? Qual o grau de responsabilidade do secretário sobre tudo isso? Será que não é possível manter a disciplina sem violação de direitos no Estado do Ceará? São perguntas ainda sem respostas que nem mesmo os candidatos quiseram se aprofundar.
Para quem acha que criticar a gestão da SAP é “defender bandido”, o sindicato dos policiais penais vem denunciando desde o ano passado as más condições enfrentadas pelos profissionais, que teriam resultado até mesmo em diversos casos de suicídios. Os agentes alegam que as mudanças na gestão penitenciária geraram acúmulo de atividades e condições insalubres de trabalho, resultando em adoecimentos.
Elmano se elegeu sob a égide de um defensor dos movimentos sociais, sendo até atacado durante a campanha eleitoral por causa disso. A decisão de manter Mauro Albuquerque gerou críticas entre a sociedade civil. Uma nota de repúdio assinada por 64 entidades nacionais e estaduais tornou-se pública. Em um dos trechos, os signatários afirmam: “Nós que votamos e apoiamos o novo Governador estamos decepcionados […] Tínhamos a expectativa de que haveria mudança […] Imaginávamos que seríamos ouvidos e que nossa voz seria levada em consideração pelo novo Governo, já que o atual tampouco deu relevância a essas denúncias. Estávamos errados”.
As primeiras medidas de Elmano de Freitas foram uma ducha de água fria para muitos apoiadores e para quem acreditou que o paradigma tradicional da segurança pública pudesse ser alterado. O que se viu foi muito pragmatismo. Ser um governador “progressista” não é apenas fazer a política do possível, mas sim ousar, provocar mudanças no cerne do que há de mais reacionário na sociedade. O governo está só começando. Que tenhamos boas surpresas pela frente.
*Jornalista (DRT 1681 jpce) e cientista social com doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
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