Por Ricardo Moura, no blog Escrivaninha*.
Desde janeiro em estado de inatividade, o Conselho Penitenciário do Estado do Ceará (Copen) ganhou fôlego novo: o advogado Cláudio Justa teve sua indicação ao Conselho homologada pelo governador Camilo Santana. Com a decisão, já publicada no Diário Oficial, as atividades do Copen estão previstas para serem retomadas no próximo dia 16.
A retomada das atividades do Conselho acontece em um momento bastante oportuno. O sistema prisional cearense vem enfrentando os transtornos causados pela pandemia do Covid-19, cujos impactos sobre os detentos e os agentes prisionais são gravíssimos. Em julho, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) foi alvo de denúncias que precisam ser elucidadas. A direção do Instituto Penal Professor Olavo Oliveira (IPPOO) II foi exonerada, no mês passado, após uma fuga em massa de 17 presos.
Essa é a segunda vez que Cláudio Justa assume a presidência do Copen. Graças à sua atuação à frente do órgão, o Conselho Penitenciário ganhou maior projeção no debate público além de se tornar conhecido nacionalmente.
O Copen teve um papel fundamental durante a série de ataques coordenados de dentro dos presídios em abril de 2017, que fez com que a circulação de ônibus em Fortaleza fosse suspensa. Ao se pronunciar publicamente sobre as causas da crise, o Conselho escancarou uma situação que vinha sendo negada pela administração da então Secretaria de Justiça (Sejus).
Criado em 27 de janeiro de 1927, o Copen é um órgão consultivo e fiscalizador do modo como a pena é executada, além de ter a incumbência de inspecionar os estabelecimentos e os serviços penais, colaborando tanto na elaboração quanto na revisão da política criminal e penitenciária do Governo do Estado. Sua composição é formada por representantes da sociedade civil como professores universitários, defensores públicos, promotores, agentes penitenciários, membros da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Ceará (OAB Ceará), da Pastoral Carcerária e da própria comunidade. Trata-se, portanto, de um espaço de controle social sobre o modo como é feita a gestão do processo de punição e reabilitação de quem comete crimes.
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Sistema prisional em xeque
Embora as condições dos presos nunca tenham sido uma prioridade na pauta governamental, o cenário se agravou radicalmente a partir de maio de 2016, quando o sistema prisional entrou em colapso. Desde então, as organizações criminosas passaram a exercer uma forte pressão de dentro das grades. A facção Guardiões do Estado, oriunda do Ceará, não deixa de ser um subproduto do abandono estatal às demandas relacionadas à população carcerária. O Copen, de certa forma, atuava como um espaço de mediação nessa tensa relação entre governo e sociedade.
No entanto, desde a criação da SAP, em janeiro do ano passado, o Copen definha. Em setembro, o órgão denunciou a existência de um processo de desmonte com servidores sendo realocados, corte do acesso ao Sistema Penitenciário (Sispen) e inviabilização da estrutura física para seu funcionamento.
Embora tenha alegado restrição orçamentária nesse episódio, a SAP adota uma versão semelhante de sua “política do procedimento” nas relações que mantém com o mundo exterior: muito rigor e pouquíssima margem para prestação de contas (accountabilty). É fato que a gestão Mauro Albuquerque segue com poucas contestações, tanto dentro quanto fora do governo, mas a transparência e o cumprimento dos ritos legais precisam estar acima da obtenção de resultados. O Conselho Penitenciário desempenha um papel fundamental nesse aspecto, ao lançar um olhar qualificado para o que ocorre longe das vistas da população.
No entanto, desde janeiro o Copen não se reunia mais. O mandato dos conselheiros expirou e os nomes dos indicados não haviam sido encaminhados à Casa Civil para que pudessem ser nomeados pelo governador. Sem membros efetivos, o órgão não conseguia atuar, prejudicando a fiscalização acerca das atividades da SAP, cujo modus operandi foi alvo até mesmo de denúncia do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
*O blog Escrivaninha é uma arrumação de Ricardo Moura, jornalista e cientista social com doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
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