O mito grego da caixa de Pandora descreve uma trama com vieses variados, dentre outros os de vingança, mal planejamento, descaso, curiosidade, ardil, e, em último suspiro, manutenção da esperança quando do fechamento da caixa. Esse mito traz lembranças do sistema penal cearense, quando se toma atenção direcional aos vieses citados.
Ainda antes da Covid-19 chegar por terras tupiniquins por seu vetor, o novo coronavírus, a situação de adoecimento coletivo nas unidades prisionais do Ceará já causava espécie. Trinta reclusos de uma só unidade foram acometidos por um “mal misterioso”, provavelmente por falta de vitaminas. Anemia, lesões na pele e, em alguns casos, na gengiva, revelariam um teatro de preocupação quanto ao surgimento de infecções que se propaguem em espaços coletivos aglomerados. Descaso. Leia também:
Não à pena de morte pela contaminação nos sistemas prisional e socioeducativo do Ceará Mazza no O POVO: Conselheiro do Copen defende hospitais de campanha e desencarceramento por Covid-19 Como já comentado nesse editorial em outras oportunidades, a Secretaria de Administração Prisional (SAP/CE), avalizada por um “silêncio ensurdecedor” por parte do Governo do Estado e órgãos da Justiça, fechou dezenas de cadeias públicas e direcionou os internos dessas unidades para os grandes presídios da capital, todos ainda danificados desde o ano de 2016, superlotando o que já estava superlotado. Aglomeração intencional pela administração pública. Vingança, ardil.
Aquela ocorrência dos 30 seria prenúncio de um trágico fato que se vivencia agora, meses depois, com o impacto da virose pandêmica que assola o mundo todo. Oficialmente, consta o registro de apenas um reeducando morto, vitimado pelo novo coronavírus. Atente-se para a carência de testagem.
No entanto, a linha de crescimento de contágio demonstra que o controle interno do sistema para prevenção e combate ao contágio não está surtindo o efeito que, provavelmente, a SAP havia planejado. O contágio já atinge servidores em um nível numérico que já se pode adotar como alarmante, diante do quadro de espaço confinado, aglomerado de pessoas, baixa higienização, pouca salubridade, aeração diminuída, insolação delimitada e atendimento de saúde precário, para sermos econômicos nas elaboração do rol de deficiências e mazelas do âmbito das prisões. Mal planejamento.
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Fechou-se o sistema penitenciário cearense, como a exemplo do que Pandora agiu, fechando na caixa o último elemento que nela continha, e por ironia, o único que era bom. Os demais, toda a sorte de precariedades, saiu a assolar o mundo.
Fica dentro das prisões a esperança dos que lá estão encarcerados, de seus familiares em revê-los bem, dos servidores em permanecerem saudáveis para cumprirem suas obrigações, dos advogados em atender seus clientes, das instituições delimitadas em suas prerrogativas de atendimento aos presídios.
Esperança!
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